Árvore e machado, na definição da boneca Emília, do Sítio do Picapau Amarelo

“Monteiro Lobato foi o precursor no Brasil de um tipo de literatura infantil mais questionadora, levava às narrativas do Sítio do Picapau Amarelo reflexões que, na maioria das vezes, não faziam parte das conversas com as crianças”, apontam Bia Reis e Cristiane Rogerio em análise sobre o contemporâneo na literatura(1) . Um dos temas inseridos foi a preocupação ambiental (2).

Exemplo disso é a conversa da boneca Emília com um anjo de asa quebrada que apareceu no Sítio do Picapau Amarelo. A boneca assume a função de professora do anjo, para ensinar “as coisas da terra”.  O diálogo está no livro “Memórias de Emília” e apresenta uma definição de árvore que leva a reflexões e também mostra  “as preocupações de um escritor sintonizado com os problemas de seu tempo”,  instigando “seus contemporâneos a refletirem sobre o que estava acontecendo” (2).

Vamos acompanhar?

-“Árvore, sabe o que é? perguntava ela.

E como o anjinho arregalasse os olhos azuis esperando a explicação, Emília vinha logo com uma das suas.

-“Árvore” – dizia – é uma pessoa que não fala; que vive sempre de pé no mesmo ponto; que em vez de braços tem galhos; que em vez de unhas tem folhas; que em vez de andar falando da vida alheia e se implicando com a gente (como os tais astrônomos) dão flores e frutas. (…)

E as perguntas do anjinho eram sempre de uma infinita ingenuidade.

-“Mas por que essas tais árvores nunca saem do mesmo lugar?”

-“Porque têm raízes” – explicava a Emília. -“Raiz é o nome das pernas tortas que elas enfiam pela terra adentro. Bem que querem andar, as pobres árvores, mas não conseguem. Só saem do lugarzinho em que nascem quando surge o machado.”

-“Que animal é esse?”

-“Machado é o mudador das árvores, muda a forma delas, fazendo com que o tronco e os galhos fiquem curtinhos. Muda-lhes até o nome. Árvore machadada deixa de ser árvore. Passa a ser lenha. Le-nha. Repita.”

-“É algum deus esse machado tão poderoso assim?”

-“Deus, nada, burrinho! É antes um diabo malvadíssimo(…)

 

Saiba Mais:

(1)REIS, Bia. ROGÉRIO, Cristiane. O contemporâneo na literatura infantil. O Estado de São Paulo, 15 out. 2017. Disponível em: http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,o-contemporaneo-na-literatura-infantil,70002045151. Acesso em 17 mar. 2018.

(2)Monteiro Lobato defendia, em suas obras, a preservação da natureza e a não exploração dos animais.  Portal da Anda, 22 abr. 2010. Disponível em: https://www.anda.jor.br/2010/04/monteiro-lobato-defendia-em-suas-obras-a-preservacao-da-natureza-e-a-nao-exploracao-dos-animais/. Acesso em 17 mar. 2018.

LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. 2.ed. São Paulo : Editora Globo, 2009, p. 18-19.

 

 

 

 

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