Teremos sementes de árvores nativas suficientes para a restauração florestal no Brasil?

A pergunta foi feita por pesquisadores brasileiros¹, que efetuaram um estudo para verificar a existência de sementes de árvores nativas em quantidade suficiente para a restauração florestal que é esperada como resultado de políticas públicas e compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Brasil. Dentre estes, o decorrente da 21ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas ocorrida em Paris em 2015 (COP-21), pela qual se comprometeu  à restauração de 12 milhões de hectares (Contribuição Nacionalmente Determinada -NDC), ou ainda pelo Pacto de Restauração da Mata Atlântica, que objetiva restaurar 15 milhões de hectares desse bioma até 2050.

De acordo com a pesquisa, o mercado de sementes não está preparado para o atendimento em larga escala de espécies nativas, por não contar com suficiente mão-de-obra capacitada e informações sobre a coleta e produção, embora seja uma atividade econômica emergente e promissora, que poderá gerar “empregos verdes”, com envolvimento de comunidades rurais distantes dos centros urbanos. Além disso, os viveiros concentram-se na maior parte na região sudeste, voltados para a produção de sementes da Floresta Atlântica.

Para os autores, é preciso diversificar a produção, para atender a todos os biomas, descentralizar os viveiros, investir em capacitação dos colaboradores para a coleta e produção de sementes bem como reavaliar os regulamentos que regem a produção, pois tanto protegem os ecossistemas, com a certificação, como podem, indiretamente, estimular a produção de sementes exóticas. Isto porque a produção de sementes exóticas parece ser mais fácil, de menor custo e com retorno mais rápido. Todavia, a introdução dessas espécies pode acarretar o aumento do risco de invasões biológicas, afetar a polinização e a dispersão de sementes nativas.

Os pesquisadores sustentam que o apelo às exóticas pode ser consequência direta da falta de planejamento e de organização das cadeias de suprimento das nativas para a demanda de mercado. Esclarecem que o termo exóticas compreende tanto espécies não brasileiras como uso de espécies nativas de outras zonas biogeográficas, em biomas diferentes do original. Esta situação pode comprometer as características da espécie, já que envolverá adaptação a outro local.

Igualmente, alertam para a necessidade de manter a produção de alta diversidade de sementes de árvores nativas para aplicação nos projetos de restauração. A concentração da produção de sementes em poucos e grandes viveiros pode trazer problemas para restauração ecológica, se não for mantida a produção de sementes com diversidade, por acarretar a baixa representação das espécies. Os viveiros pequenos e médios podem também preferir concentrar a produção em poucas espécies. E disto poderá ocorrer a homogeneização de paisagens, com reduzida diversidade de nativas, com efeitos negativos para serviços ecossistêmicos ambientais, como polinização.

A pesquisa aponta que os maiores viveiros, em quantidade e tamanho, estão localizados no sudeste do Brasil, com capacidade para atender às necessidades de restauração de Floresta Atlântica. Os demais biomas são insuficientemente representados na cadeia de viveiros, sendo que o Bioma Pampa é o que menos conta com locais voltados para produção de sementes de sua vegetação. Para os pesquisadores, torna-se evidente a necessidade de políticas e programas que subsidiem a regionalização da produção de sementes em pequena escala, especialmente em regiões em que não haja viveiros especializados na produção de semestres nativas.

A pesquisa, que incluiu entrevistas com outros pesquisadores, integrantes do governo, como secretários de agriculturas e ministérios e consultas a 246 viveiros de produção de sementes nativas, apontou os seguintes resultados:

Natureza do viveiro: 71% privados, 19% públicos e 10% mantidos por ONGS
Finalidade da produção de sementes  A maioria usava coleta de sementes para produção própria e não para abastecimento do mercado.
Quantitativos de empregados A maioria (80%) empregava menos de 10 pessoas
Quantitativo de sementes produzidas  Cerca de 60% produzia entre 1,000 a 100,000 sementes nativas por ano.
Diversidade de sementes produzidas  40% dos viveiros (16.2%) podiam produzir 100 espécies de árvores nativas, mas a maioria lograva a produção inferior a 50 espécies (57%)
Destinatário, no caso de venda  A maioria vendia a produção para produtores rurais privados, ONGs e empresas de restauração (60%).
Fonte: dados da pesquisa. Tabela elaborada pela tradutora.

Os autores sugerem implementar a coleta de sementes como atividade comercial independente, por coletores ou cooperativas. Mas alertam para as dificuldades na atividade por restrições regulamentares, como instruções normativas do Ministério da Agricultura. A regulamentação afeta sobretudo a produção em pequena escala, já que os coletores não estão organizados e/ou não têm o necessário nível educacional para a compreensão das normas. Para os pesquisadores, embora a certificação e o controle de produção sejam valiosos para resguardar a qualidade da produção de sementes, têm que ser acompanhados por incentivos. Do contrário, representarão um desincentivo e podem comprometer o suprimento de sementes para restauração florestal.

Em síntese, sustentam os autores que o mercado de sementes nativas requer políticas e programas que criem condições favoráveis para o desenvolvimento dessa atividade, a descentralização da produção, com respeito às diferenças de ecossistemas na restauração, bem como conhecimento para apoiar a produção e promover a capacitação dos colaboradores para aplicá-lo. Com essas medidas, os resultados serão restauração florestal com alta diversidade e potencial para gerar serviços ecossistêmicos e a geração de empregos, especialmente para comunidades rurais marginalizadas.

(1) Pesquisadores: Ana P. Moreira da Silva1, Daniella Schweizer2,3, Henrique Rodrigues Marques1, Ana M. Cordeiro Teixeira1, Thaiane V. M. Nascente dos Santos1, Regina H. R. Sambuichi1, Carolina G. Badari2, Ulysse Gaudare2, Pedro H. S. Brancalion2
1Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Edifício Rodolpho de Paoli. – Av.Nilo Peçanha, 50 – Centro, Rio de Janeiro – RJ 20020-100, Brazil
2 Departamento de Ciências Florestais, “Luiz de Queiroz” Faculdade de Agricultura, Universidade de São Paulo, Avenida Pádua Dias 11, Piracicaba, SP 13418-260, Brazil
3 Endereço para correspondência de D. Schweizer, email daniellaschweizer@gmail.com

REFERÊNCIA

SILVA, Ana P. Moreira da et al. Can current native tree seedling production and infrastructure meet an increasing forest restoration demand in Brazil? Restoration Ecology. Jul. 2017. vol.4. p. 509-515. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/rec.12470>. Acesso em: 07 jul. 2018

Tradução livre de Karina Gomes Cherubini.
Imagem da capa: viveiro de mudas. Crédito: Karina Cherubini.

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