Era uma vez, em um reino florestal, situado no bioma Mata Atlântica, que se estendia de um lugar chamado Piauí até outro conhecido como Rio Grande do Sul, pelo litoral de terra brasilis, uma grande árvore.
Mas não era uma árvore qualquer, era uma árvore com mais de 500 anos, com mais de 30 metros de altura e com diâmetro tão, tão largo, que era preciso mais de dez homens e dez mulheres para abraçá-la.
Essa árvore, na verdade, era o castelo do Rei Pólen e da Rainha Flor. Um dia, contra todas as expectativas, eles se encontraram. Sim, quando ainda era príncipe, Pólen gostava muito de sair por aí, sem destino, na companhia de abelhas e borboletas e até mesmo de seu amigo Vento. Certo dia, porém foi parar no castelo da princesa Flor. Foi amor à primeira polinização e nunca mais se separaram.
Desse casamento, eclodiu um fruto e nasceu a semente, que recebeu o nome de Aurora. (Era óbvio, não é? Afinal, estamos num reconto de A Bela Adormecida!). Como tudo nesse reino florestal é tão mágico, o nascimento foi muito comemorado, pois seria a perpetuação das espécies arbóreas, do Rei Pólen e da Rainha Flor. Todos os polinizadores voadores foram convidados para o batizado da Semente Aurora. Para combinar com o nome da princesa, o batizado foi marcado para as primeiras horas dos raios de sol na árvore.
O casal real escolheu três abelhas com poderes botânicos para serem as madrinhas da princesinha, as abelhas conhecidas como “PI”, “S” e “C”. Pode parecer estranho, mas eram nomes muito comuns nas colmeias naquela época.
No dia acertado, mal o sol raiava e iluminava as folhas largas do castelo, ops, árvore, começou o batizado. A Semente Aurora foi trazida para o centro do castelo, sob os olhares orgulhosos de seus pais.
A abelha “C” foi a primeira a ofertar seu presente: –“Minha afilhada, eu lhe dou o dom da vida longa”.
A abelha “S” não ficou para trás e também presenteou sua afilhada: – “Esta madrinha lhe oferece resiliência e adaptabilidade aos ambientes”.
Quando chegou o momento da abelha “PI” anunciar o dom que ofertaria à Aurora, um vendaval fez com que todas as folhas da árvore se mexessem e não sobrasse mais nem um pó de pólen no salão.
– “Que é isso”, gritaram os convidados. Afinal, aquela mudança meteorológica não estava prevista.
-“Ora, ora, ora… por essa eu não esperava”, disse o visitante. -“Não me convidaram para essa festa pobre que as abelhas armaram para me convencer… Estranho, o que eu disse me lembra letra de música. Enfim, não importa, como sou um polinizador – um dos melhores do reino – também quero ofertar meu presente”.
Quem era o não-convidado-misterioso?
Era o morcego que morava na árvore real há muito tempo. Era um dos polinizadores mais ágeis, com maior velocidade, que percorria longas distâncias levando pólen, frutos e sementes para lá e para cá. Fazia seu trabalho no turno da noite quando as abelhas já haviam se recolhido às colmeias para dormir. Era um trabalho solitário, no escuro e que merecia ser valorizado! O morcego já entrara até com uma petição no Tribunal da Biodiversidade, para que reconhecessem seu trabalho em prol da conservação da natureza.
Bem, esse é assunto que retomaremos em outro dia. Voltando ao batizado de Aurora…
O morcego aproximou-se da Semente real, mirou-a e disse: – “A princesa vai ter mesmo vida longa, ser resiliente e adaptável, admirada por quem a conhecer. Mas isto porque sua vida será de dormência: não germinará e ficará em estado de semente para sempre!”
Dito isto, o Morcego sacudiu suas asas, alçou voo e foi embora, tirando, novamente, todas as folhas, flores e galhos do castelo de seu lugar.
O Rei Pólen e a Rainha Flor quase murcharam de tanto desespero: – “Que vamos fazer com nossa Semente? Nunca poderemos acompanhar seu crescimento, vê-la tornar-se plântula, virar muda, até ir fincar raízes e estabelecer-se em outro castelo?”
Foi então que a abelha “PI” apareceu e deu esperanças a todos. Nem tudo estava perdido. Ela podia ser só uma abelha e não ser tão poderosa como o Morcego, mas também tinha sua magia. Aproximou-se de Aurora e disse:
-”Querida Semente,
você ficará dormente,
mas não para sempre,
somente…
até que seja despertada por um príncipe conhecedor do comportamento vegetal que vai tirá-la desse sono profundo, por amor à natureza”.
Que decepção. Era o mesmo que condenar a pobrezinha da Aurora ao sono infinito.
Percebendo isso, “PI” chamou as demais madrinhas e depois de muito zumbirem, confabulando, decidiram adormecer todo reino, para que Aurora não ficasse dormente sozinha.
Então, as abelhas deram-se as mãos e juntas gritaram seus nomes bem forte, pois a combinação deles gerava uma palavra mágica: “PISC”.
Imediatamente, a vegetação ao redor do castelo principiou a mudar, começando a aparecer vegetação de capoeira.
“PI” tomou o comando das mudanças ou, como chamava, da “mágica da sucessão”: – “Que venham as Pioneiras!”. Começaram a crescer muitas plantas, que adoravam o sol e queriam sempre estar à frente das demais. Era o que se poderia chamar de Infantaria Florestal. Cresceram muito rápido e espalharam muitas sementes ao redor do castelo de Aurora.
Completado o trabalho das Pioneiras, a abelha S assumiu o comando da sucessão florestal. Ordenou ela: -”Que venham as Secundárias, todas elas, sejam iniciais, sejam tardias. Precisamos de todas”.
Então, na sequência, apareceram as árvores Secundárias. Não eram tão desbravadoras como as PIoneiras. Para falar a verdade, aproveitavam-se das facilidades ofertadas por essas, principalmente do sombreamento, ainda que ralo, e da proteção contra o vento. Como as pioneiras estavam ali, como barreira para lhes proteger, implantaram-se mais ao centro. Com isto, conseguiam crescer mais e sobreviver mais tempo do que as próprias pioneiras. As secundárias também espalharam suas sementes ao redor do castelo de Aurora.
O cenário já estava bastante modificado, com o castelo cercado por PIoneiras e Secundárias. A proteção não estava somente na terra. Estava também no ar. As PIoneiras cresceram até uma determinada altura, denominada, no reino florestal, de estrato. As Secundárias, como crescem mais que as PIoneiras, já atingiam o segundo estrato aéreo.
Chegou o momento da abelha C revelar sua voz de comando. Sabia da importância do Castelo, enquanto espécie arbórea. Poucas árvores têm vida tão longa e para que assim seja sua existência, têm de estar protegidas até mesmo da luz. Era preciso fechar a cortina, que naquele reino era chamada de dossel, para deixar Aurora ficar dormente, em seu sono profundo, até que o feitiço fosse desfeito.
C, então, convocou as Climácicas. Não eram numerosas, como as PIoneiras. Nem tão adaptáveis e resilientes, como as Secundárias. Eram árvores que demoravam para crescer e surgiam no “clímax” da floresta, quando as copas das árvores se encontravam e fechavam o dossel. Cresciam no sombreamento, tinham vida longa e maior robustez física do que suas antecessoras. Não gostavam de perturbação e preferiam o silêncio do interior da mata fechada. Seriam a companhia perfeita para a Semente Dormente.
Assim completada a sucessão florestal, o castelo deixou de estar visível, encoberto que foi por densa floresta, num PISCar de olhos.
(Olhe, restaurar uma floresta pode ser demorado, levar anos. Porém, como estamos numa versão tropical de conto de fadas, a restauração será, “literariamente”, rápida e vai estar prontinha mesmo, num PISCar do olhar, na continuação deste reconto. Aguarde a segunda parte de “A semente Adormecida”. Já está em floração!)
Crédito da imagem da capa: Pixabay, https://pixabay.com/pt/photos/castelo-rosa-cor-de-rosa-castelo-5350390/